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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Efésios: A Epístola das Regiões Celestes

Efésios: A Epístola das Regiões Celestes: "


A epístola de Paulo aos Efésios destaca-se pelo conteúdo teológico e a relação do vocabulário com a teologia das epístolas da prisão. Todavia, o fato de as palavras “em Éfeso” [ἐν Ἐφέσῳ] não aparecer nos manuscritos mais importantes (METZGER: 2006, p.528), mas ser uma inserção posterior, sugere o caráter universal dessa grandiosa epístola. Neste breve comentário, não discutiremos todos os termos teológicos, especialmente os do capítulo 1, no entanto, faremos uma incursão noutros sememas que surpreendem pelo valor e aspecto litúrgico e teológico e, principalmente, pela quantidade de vezes que o vocábulo se repete.

Graça

Paulo usa o termo doze vezes na epístola. A base para o entendimento do uso significativo do termo “charis” [χάρις], ou graça, pode ser encontrado no discurso de Paulo aos anciãos da igreja de Éfeso em Atos 17-38. Ele chama a sua mensagem de “o evangelho da graça de Deus” (v.24). O termo designa “o favor imerecido de Deus”. A saudação comum aos gregos era “charein” (At 15.23; 23.26; Tg 1.1), que designava “alegria”, mas Paulo usa o correlato “charis” para referir-se ao plano salvífico projetado por Deus e levado a cabo por Cristo, como também o desejo de que seus leitores sejam abençoados e tenham paz advinda desta graça. Cada texto, de acordo com seu contexto, sugere um uso distinto e ao mesmo tempo participativo do significado comum do termo graça. Os textos a seguir deveriam ser estudados carinhosamente pelo estudante perspicaz das Escrituras, para melhor compreensão do termo em sua diversidade contextual:

“a vós graça e paz” 1.2;

“para louvor e glória da sua graça” 1.6;

“segundo as riquezas de sua graça” 1.7;

“com Cristo, (pela graça sois salvos)” 2.5;

“abundantes riquezas da sua graça” 2.7;

“pela graça sois salvos” 2.8;

“dispensação da graça de Deus” 3.2;

“pelo dom da graça de Deus” 3.7;

“foi dada esta graça” 3.8;

“Mas a graça foi dada a cada um de nós” 4.7;

“para que dê graça aos que a ouvem” 4.29;

“a graça seja com todos os que amam” 6.24.

Andar

Paulo usa o termo oito vezes na epístola. O sentido do termo é tanto ético quanto doutrinal. Paulo refere-se ao uso figurado, que expressa a natureza geral da vida espiritual. O uso metafórico já foi usado por Paulo em outras epístolas: Romanos 4.12; 6.4, Gálatas 5.16,25; 6.16, enfim, é um termo comum nas epístolas paulinas. Assim o indivíduo “anda em Espírito”, “em amor” ou como “filho da luz”. Os termos sempre aludem ao comportamento ou modus vivendi. Vejamos o uso do termo pelo apóstolo:

“quais Deus preparou para que andássemos nelas” 2.10;

“que noutro tempo andastes, segundo o curso deste mundo” 2.2;

“antes, andávamos nos desejos da nossa carne” 2.3;

“que andeis como é digno da vocação” 4.1;

“andai em amor..” 5.2;

“vede prudentemente como andais” 5.15;

“sois luz no Senhor; andai como filhos da luz” 5.8;

“para que não andeis mais como andam os outros gentios” 4.17.

Mistério

Paulo emprega o termo seis vezes na epístola. Para compreensão adequada deste termo, é necessário uma comparação formal com a epístola aos Colossenses, que também emprega o vocábulo várias vezes (1.26,27; 2.2; 4.3). A palavra também pode ser encontrada em Romanos (duas vezes), 1 Coríntios (seis vezes), 1 Timóteo (duas vezes) e 2 Timóteo (duas vezes). O uso do termo grego mystērion (μυστήριον) nestas epístolas, possui particular afinidade com o contexto já encontrado em Efésios e Colossenses. Especificamente em Colossenses, mistério é especificado pelo genitivo “mistério de Deus” (2.2) e “mistério de Cristo” (4.3). Nos outros dois casos (1.26,27), o contexto define o mistério em relação a Deus e a Cristo: “Deus quis fazer conhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, esperança da glória”. Em 2.2, este mistério é o próprio Cristo: “para conhecimento do mistério de Deus – Cristo”.

Esse conjunto de características encontra-se também nos textos de Efésios. Em três casos o mystērion é determinado por um genitivo que o põe em relação com a iniciativa gratuita e eficaz de Deus, a sua “vontade” (1.9), com Cristo (3.4) ou com o evangelho (6.19). Em dois casos o termo é usado de forma absoluta, “o mistério” (3.3,9), mas o contexto permite referi-lo, sem dúvida, a Deus ou a Cristo. Exclui-se dessa perspectiva o caso de 5.32, onde designa uma interpretação “profética” de um texto bíblico, precisamente de Gênesis 2.24, relido à luz da ligação salvífica entre Cristo e a Igreja. Vejamos os textos relativos ao termo na epístola:

“descobrindo-nos o mistério da sua vontade” 1.9;

“ este mistério manifestado pela revelação” 3.3;

“compreensão do mistério de Cristo” 3.4;

“dispensação do mistério que... esteve oculto em Deus” 3.9;

“ Grande é este mistério” 5.32;

“fazer notório o mistério do evangelho” 6.19.

Não somos escusados de frisar que Paulo nos dá a chave sobre o seu entendimento do “mistério”: “Como me foi este mistério manifestado pela revelação, como acima, em pouco, vos escrevi” (3.3). Mistério, para Paulo, não é nada oculto ou enigmático, mas antes algo “revelado” no tempo da graça. Ele chama os seguintes temas dos decretos divinos como um mistério revelado:

a) - As bênçãos espirituais em Cristo nas regiões celestes (1.3);

b) - A eleição em Cristo (1.4);

c) - A predestinação (1.5);

d) - A adoção (1.5);

e) - A redenção pelo sangue (1.7);

f) - Congregar em Cristo todas as coisas (1.10);

g) - O selo do Espírito (1.13);

h) - O poder de Deus no crente (1.19);

i) - Cristo acima de todo principado (1.21);

j) - Cristo, o cabeça da Igreja (1.22);

k) - A Igreja, corpo de Cristo (1.23).

Uma análise minuciosa revelaria muitos outros temas dos quais Paulo considera ser um mistério que foi revelado. Contudo, cremos que estes servem como exemplos.

Corpo

Paulo usa o termo nove vezes. As figuras de 1.22,23, “cabeça e corpo” e a menção de “plenitude” evocam um ambiente cultural e religioso que está na fronteira entre a matriz bíblica judaica e a estóico-helenista, que depois desemboca nas especulações gnósticas (plenitude). Rinaldo Fabris, afirma que:

  • “em conexão com o ambiente bíblico, a imagem da “cabeça” sugere a noção de domínio e soberania; o ambiente helenista estóico leva-nos a ver aí o tema do influxo vital e unificador. Também a imagem do corpo – já presente nas grandes cartas de Paulo (cf.Rm 12.4-5; 1Co 10.17; 12.12-27) – adquire uma nova acepção em referência à Igreja, entendida em sentido universal como a totalidade dos fiéis em Cristo. Além disso, em nosso texto a associação das duas imagens (cabeça-corpo) sublinha não só o senhorio de Cristo sobre a Igreja, mas também a dependência desta em relação a Ele e vice-versa”.

Não obstante a ênfase do corpo de 2.16, não recai especificamente sobre o significado do corpo em 1.23, mas a noção de existir um organismo vivo ao qual membros tão diversos pertencem (4.4; 1 Co 10.17; 12.13; Cl 3.15). O texto de 3.6 comunga com o significado de 2.16, com uma sutil distinção. A expressão “são membros do mesmo corpo”, tem no texto grego o uso de apenas um termo, isto é, “sussoma”, desconhecido na literatura que antecedeu o apóstolo e provavelmente tenha sido um vocábulo criado pelo próprio para expressar a verdade de que os gentios são incorporados com os judeus no Corpo único de Cristo. Uma análise de cada texto revelaria muitas minudências sobre o mesmo, mas a exigüidade do espaço nesta obra comprime a exposição de cada um deles. Cabe ao leitor atento, no entanto, auferir cuidadoso estudo sobre cada um destes textos:

“Que é o seu corpo, a plenitude” 1.23.

“ambos com Deus em um corpo” 2.16.

“e de um mesmo corpo, e participantes da promessa” 3.6.

“um só corpo e um só Espírito” 4.4.

“edificação do corpo de Cristo” 4.12.

“do qual todo corpo, bem ajustado e ligado” 4.16.

“faz o aumento do corpo, para sua edificação” 4.16.

“sendo ele próprio o salvador do corpo” 5.23.

“porque somos membros do seu corpo” 5.30.

Espírito Santo

Paulo faz doze referências ao Espírito Santo na epístola. Na revelação manifestada a Paulo, o Espírito Santo foi concedido à igreja como um “penhor”, “garantia” ou “selo” da redenção. Naqueles dias o selo era um símbolo de autoridade ou posse sobre alguma coisa. Quando uma mercadoria chegava ao porto, só a retirava quem possuísse o sinete cujo símbolo ou iniciais estava representado na própria mercadoria. Assim, somente aquele que fosse o proprietário legal retirava a mercadoria do cais. O selo também designava a inviolabilidade ou integridade de qualquer mercadoria. Esta imagem empregada por Paulo assegura que o Espírito Santo é o selo, ou seja, a garantia de que pertencemos a Cristo, além de atestar a nossa segurança e inviolabilidade. Quando nosso adversário se aproxima de nós e vê o selo do Espírito, logo volta, pois não pode tocar nos eleitos de Cristo (cf. 2 Co 1.21,22). O Espírito Santo, na vida do crente é o selo, a garantia de que o crente pertence a Deus, como uma propriedade pertence ao seu dono. Por isso Ele é o penhor . Este vocábulo os gregos herdaram dos mercadores fenícios; era um pagamento parcial que firmava o contrato e garantia o restante do pagamento. Assim, a experiência do crente com o Espírito Santo é a antecipação e uma garantia daquilo que será seu quando entrar na plena herança legada por Deus. Você pode glorificar a Deus por isso? O Espírito também é o veículo que, estando presente no organismo vivo, que é a igreja, conduz o crente numa relação correta a Deus através de Cristo (2.18). O leitor consciencioso deve conferir cada uma das referências a seguir:

“selados com o Espírito Santo” 1.13.

“temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito” 2.18.

“para morada de Deus no Espírito” 2.22.

“tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos” 3.5.

“com poder pelo seu Espírito no homem interior” 3.16.

“a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” 4.3.

“ há um só corpo e um só Espírito” 4.4.

“E não entristeçais o Espírito Santo de Deus” 4.30.

“porque o fruto do Espírito está em toda bondade” 5.9.

“mas enchei-vos do Espírito” 5.18.

“tomai... a espada do Espírito” 6.17.

“toda...e súplica no Espírito” 6.18.

Celestiais

Paulo usa cinco vezes o termo “regiões celestiais”. Esse é um tema novo na própria epístola e na abordagem paulina sobre as realidades espirituais. O termo grego traduzido por “lugares ou regiões celestiais” é “hepouranios” e, de acordo com o contexto, pode significar desde a habitação de Deus (1.3,20), o local onde espiritualmente o crente está com Cristo (2.6), ou até mesmo a região habitada por diversos seres espirituais (3.10), variando ao local de habitação de seres espirituais da maldade (6.12). As ocorrências do termo na epístola são as seguintes:

“lugares celestiais em Cristo” 1.3.

“pondo-o à sua direita nos lugares celestiais” 1.20.

“e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” 2.6.

“conhecida dos principados e potestades nos lugares celestiais” 3.10.

“contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” 6.12.

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